sexta-feira, março 07, 2008

As Origens do Homem Moderno - contributo anti-racista





Introdução
Desde tempos imemoriais que o Homem tenta explicar a sua origem. Inicialmente e pela falta de conhecimento científico invocou aspectos míticos e religiosos para descrever a sua génese através do criacionismo. Mas foi Lamarck, que no século XIX, colocou o Homem na corrente evolutiva e posteriormente, Darwin formulou a teoria da origem africana. Avanços científicos e tecnológicos recentes, nas áreas da Biologia Evolutiva e Molecular e na área da Arqueologia, sugerem que a filogenia1 do homem moderno, Homo sapiens, surgiu na savana africana.

Modelos Sobre a Origem do Homem Moderno
Existam dois modelos que explicam a evolução do Homo sapiens a partir do Homo erectus: o modelo multirregional, centrado numa evolução simultânea em diversas zonas do globo, pela acção da selecção natural,2 a partir de uma sucessiva vaga de antepassados que saíram da África há mais de 1,5 milhões de anos; e o modelo Out of Africa que explica a origem comum da humanidade actual, através da microevolução3 de uma pequena e única população4 que existiu na savana africana cerca de 200 000 mil anos atrás e que posteriormente se teria espalhado e diversificado para outros continentes, suplantando as populações estabelecidas de Homo arcaicas. Este modelo Out of Africa é o mais consensual entre a comunidade científica devido a argumentos essencialmente genéticos.

Argumentos Favoráveis ao Modelo Out of Africa
A Arca de Noé, a Eva Negra, a hipótese da substituição, o modelo de origem única e a evolução africana recente, são designações que alguns autores utilizam para definir o modelo da evolução do Homem anatomicamente moderno Out of Africa. Este modelo traduz um evento de especiação,5 uma vez, que novas espécies, costumam surgir de pequenas e isoladas populações, capazes de manter e acentuar a diversidade genética.
As principiais evidências deste modelo são as seguintes:
O ADN mitocondrial6 é um modo de transmissão inteiramente maternal, logo, não recombina e não sofre mutações7 (ou as que sofre são facilmente detectadas). Para além disso, existe milhares de cópias de um determinado gene8 mitocondrial por célula, tornando o ADN mitocondrial um relógio molecular, um instrumento muito útil em determinadas situações, onde o tecido da amostra está muito velho, é muito pequeno ou foi degradado pelo calor e/ou humidade, tal como acontece com os fósseis. A análise da variação da composição molecular do ADN mitocondrial e suas mutações neutras sofridas em indivíduos africanos, asiáticos, europeus e ameríndeos, nomeadamente na região da D-loop9 determinam uma suposta origem de toda a linhagem humana moderna.
O cromossoma Y, pela sua herança paterna, também não recombina, excepto nas zonas I e II e por esse facto, é o segundo sistema genético mais utilizado no estudo da população humana. A análise da parte não recombinante do cromossoma Y nas populações actuais, também demonstra uma origem recente comum africana entre 100 000 a 200 000 anos.
Estudos que recolheram mais de um milhar de amostras de ADN cromossómico provenientes de 42 regiões geograficamente distintas, analisaram o locus10 CD411 do cromossoma 1212 donde concluíram que todas as populações, excepto as sub-Saharianas, apresentavam delecção13 do Alu14 e um único tipo de STRP15
Outro estudo actual de ADN nuclear realizado a populações geograficamente separadas permitiu chegar à conclusão de que existe maior diversidade genética no continente africano do que nos outros, para muitos loci16 nucleares, podendo assim, indiciar uma origem comum da humanidade moderna neste continente.
A hipótese Out of Africa e a explosão demográfica verificada nos últimos séculos explica a especificidade geográfica dos alelos17. São provavelmente mutações recentes que não tiveram tempo suficiente para se difundir pela população mundial.
A baixa diversidade genética humana é também o resultado de uma espécie jovem proveniente de uma pequena população original.
Os fósseis mais antigos conhecidos de Homo sapiens foram três crânios encontrados na Etiópia, em 1997, com cerca de 160 000 anos. O mais completo dos crânios mostra uma combinação de características humanas arcaicas, com modernos primitivos e actuais, fornecendo ainda, uma ligação entre os fósseis mais antigos de Homo sapiens de África e outros mais modernos na Palestina com cerca de 115 000 anos.

A Expansão do Homo sapiens
Foram identificadas cinco grandes grupos populacionais: negróide (africanos), caucasianos (europeus), mongolóides (asiáticos), ameríndios (americanos nativos) e australóides (australianos e papuanos). Dados genéticos e paleontológicos sugerem que estes grupos são o resultado de uma história complexa de migrações humanas e suas recombinações com as populações arcaicas, em conjugação com factores de deriva genética e selecção natural, que entraram em acção, desde que o Homo sapiens aumentou a sua população e se expandiu a partir de África. Inicialmente um grupo de humanos movimentou-se para o Noroeste Asiático através do Médio Oriente e instalou-se no Sudeste Asiático. Outro grupo dirigiu-se para a Índia e de seguida para o Sudeste Asiático, recombinando-se novamente. Parte desta população dirigiu-se para o Pacífico e Austrália, a outra parte, recombinou-se novamente eliminando os traços africanos em grande parte das populações. A Europa recebeu, desde o Paleolítico, várias ondas migratórias provenientes de leste. Já no Neolítico, os agricultores oriundos do Médio Oriente, do norte de Cáucaso e dos mares Negro e Cáspio e posteriormente, a partir da Grécia, levaram o seu material genético para a Europa, expandindo-se até à Península Ibérica. (Ver Anexo I)

Conclusão
Triesman (1995) colocou a hipótese de ter havido, numa pequena população africana, cerca de 200 000 anos atrás, uma mutação mitocondrial favorável, mas letal na presença de genes nucleares diferentes. Daqui surgiu um novo genótipo,18 que se difundiu dentro da população. Com o seu aumento progressivo, saiu de África, povoou novos continentes e modernizou as populações arcaicas nativas, através do seu fluxo génico19. Este gerou uma oposição à deriva genética20, com a introdução de novos polimorfismos21 nas populações e novas combinações de genes, onde a selecção natural pôde actuar. A hibridação22 possibilitou a continuidade local e contribuiu para as diferenças regionais da humanidade moderna, demonstradas nos fenótipos23 característicos de diversas populações, assim como, para a distinção de populações mais antigas e africanizadas de populações locais mais recentes. Os achados arqueológicos foram muito importantes para as evidências da evolução24 do Homo sapiens no fornecimento de pistas concretas sobre a evolução da nossa espécie (ver anexo II).
Depois deste fenómeno humano, à escala global, não houve um novo processo de especiação (pelo menos detectado ou sobrevivido até hoje), devido ao alto fluxo génico verificado, que reduz drasticamente os alelos favorecidos pelas condições locais, evitando assim, uma nova adaptação, como se verificou à 200 000 anos numa pequena população africana.
Os estudos genéticos tiveram um papel preponderante sobre as origens do Homem moderno e sua ancestralidade comum. Forneceram também, evidências profundas, de que as “raças”25 humanas eram biologicamente insignificantes e que a sua variação deve-se a factores de divergências progressivas desde a sua origem, através do isolamento geográfico e às taxas de diferenciação. Assim, uma visão ecotípica26 das diferenças genéticas e fenotípicas entre as populações é a mais correcta, pois não existe uma distinção filogenética, nem uma especiação incipiente nas “raças” humanas. Por esse motivo, não será correcto falar de “raças” humanas às diferenças fenotípicas entre as populações.
Todos os humanos modernos partilham um antepassado comum recente e as diferenças observadas actualmente entre povos são o resultado dos últimos milhares de anos de história.
Tal como toda a vida na Terra tem um ancestral comum, também a história da evolução do Homem moderno evidencia uma população ancestral comum a toda a humanidade actual.

Bibliografia
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(Visitado em 13 de Dezembro de 2007).

Glossário e Conceitos
1 Filogenia - a história da evolução de uma determinada espécie ou grupo de espécies relacionadas.
2 Selecção Natural – processo de evolução proposto por Darwin e aceite pela comunidade científica. É a fonte da Diversidade Biológica. É um meio que leva a adaptação dos seres vivos a determinado ambiente, à evolução da vida e ao aparecimento de novas espécies.
3 Microevolução – fraccionamento de uma espécie em duas espécies filhas semelhantes.
4 População - grupo de indivíduos pertencentes à mesma espécie e que partilham o mesmo local ao mesmo tempo.
5 Especiação - relacionada com factos do processo evolutivo responsáveis pela formação de uma nova espécie.
6 ADN mitocondrial - uma “espécie de segundo” genoma que a célula tem no organelo mitocôndria é muito mais simples que o ADN nuclear. É constituído por uma cadeia dupla circular (cadeia pesada H e a cadeia leve L). hereditariamente só tem origem materna.
7 Mutações – mudança genética num organismo que comporta alterações dos genes individuais do ADN, o desvio na estrutura ou no número de cromossomas. As mutações são importantes para a formação de novo material genético que permite a evolução.
8 Gene – segmento de um cromossoma que contem a informação específica para produzir determina proteína ou uma característica fenotípica.
9 D-loop – região gerada pela síntese de um segmento curto da cadeia pesada H denominado 7SDNA, onde se encontra a origem da replicação da cadeia H. Esta região ADN mitocondrial é muito importante do para estudos forenses e bio-geográficos, porque não combina com nenhum gene. Só pode variar com poucas limitações relacionadas com factores de tamanho, peso e luz.
A replicação do D-loop é um processo que as mitocôndrias e os cloroplastos replicam o seu material genético.
10 Loccus – a localização de um gene nos cromossomas.
11 CD4 – é um co-receptor de células protectoras do tipo T presentes na pele e em mucosas.
12 Cromossoma 12 – um dos 23 pares de cromossomas constituintes do genótipo humano.
13 Delecção – perda de um segmento de um cromossoma. Perda de sequências nucleotídicas pelo genoma de um indivíduo.
14 Alu – pseudogenes ou repetições dos genes no ADN
15 STRP (Small Tandem Repeats Polymorphism).
16 Loci - plural de loccus, localizações especificas nos cromossomas.
17 Alelos - formas alternativas do par de gene que ocupa um determinado loccus num cromossoma e condiciona uma determinada característica fenotípica do individuo.
18 Genótipo – conjunto de genes de um indivíduo. Informação genética presente num par de alelos para cada gene. O genótipo condiciona os fenótipos de cada ser.
19 Fluxo génico – migração, transferência de genes de uma determinada população para uma outra.
20 Deriva genética – as divisões das populações em pequenos grupos isolados reprodutiva-mente entre si actuam, junto com a selecção natural, actuam evolutivamente modificando as características das espécies ao longo do tempo.
21 Polimorfismo – existência de várias formas dentro da mesma espécie.
22 Híbrido – procriado por duas espécies distintas.
23 Fenótipo – caracteriza o indivíduo na sua aparência física e é determinado pelo genótipo. São características de cada ser, como por exemplo, a sua estatura, cor da pele, olhos, etc., são provenientes dos genótipos.
24 Evidências da evolução – São três os principais argumentos: evidências observáveis, abundantes e directas; as imperfeições da natureza revelam Evolução e as transições são relatadas pelo registo fóssil.
25 Raça – o termo raça implica a organização de grupos claramente separados uns dos outros. Dentro da nossa espécie não existe tais grupos.
26 Ecotípos – grupos geneticamente diferenciados e adaptados a um determinado meio ambiente, mas não constituem unidades filogenéticas distintas, mas sim, entidades ecológico-funcionais que se caracterizam por uma diferenciação em diversos graus.